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sexta-feira, outubro 08, 2010

O meu velho amigo Tomás


O meu sétimo ano escolar significou uma mudança de escola, uma turma nova e um colega de mesa novo. Vamos chamar-lhe Tomás. Embirrámos um com um outro quase instantaneamente, sem qualquer motivo racional. Mas a convivência forçada, tornou-nos amigos e fomos colegas de mesa durante 3 anos.



Não era uma amizade profunda, daquelas que ficam para a vida. Até porque aos 12 anos, as amizades são todas um pouco superficiais. Tínhamos algumas coisas em comum e, por outro lado, éramos totalmente diferentes. Mas ele era diferente dos outros rapazes e até marginalizado por eles. Todos os outros rapazes da turma já se achavam muito adultos. A maior parte fumava, bebia e procurava já namoradas ou simples curtes. Eu, particularmente, detestava-os. Eram uns marginais em ponto pequeno que se divertiam a tentar rebaixar-me por eu ser baixinha, por a minha mãe ser professora, por vestir roupas de marca. Por não beber, não fumar, nem lhes fazer olhinhos ou rir que nem tonta das suas piadinhas, como as outras raparigas. Por ter boas notas, ser boa aluna, bem comportada. Ou talvez, simplesmente, porque eu tinha coisas que eles não podiam ter, às vezes por razões económicas.

Mas o Tomás era simpático. Não se importava de aos 12 anos brincar à apanhada e aos polícias e ladrões. Riamos nas aulas e conversávamos e, quando ele me chateava eu riscava-lhe a mão com a caneta. E ele ficava furioso e fazia-me o mesmo até um de nós se render. Éramos próximos e isso era motivo de gozo por parte da turma, que até começaram com as piadas sobre sermos namorados. Lembro-me de me sentir furiosa, embaraçada e até um pouco ofendida com as piadinhas. É estúpido e imaturo mas eu não queria ser conhecida como a namorada do Tomás. Não estava minimamente interessada nele e, aos 12 anos, tinha ideias muito românticas do namorado perfeito: tinha que ser giro, claro, e muito romântico. Moreno com olhos verdes. Daqueles rapazes que nos fazem suspirar e nos tiram o ar com um olhar. A verdade é que com 12 anos constrói-se um ideal de namorado perfeito muito irreal e utópico.


O Tomás era moreno e tinha olhos castanhos-esverdeados. Mas não era muito giro. Era da minha altura, o que para rapaz era ser realmente baixo. Era desengonçado e trapalhão. Os seus traços eram vulgares e não faziam suspirar ninguém. Portanto, aos 12 anos na minha imaturidade e alguma arrogância, incomodava-me ser conhecida como a namorada do desajeitado Tomás. E, achava eu, que aquilo também o incomodava a ele.

Por isso, foi com bastante surpresa que no dia 14 de Fevereiro recebi uma sms ao final da tarde. Lembro-me até hoje do seu conteúdo, o meu primeiro pedido de namoro a sério! "Olá. Eu sei que gostas do Miguel mas eu tenho que te perguntar isto. Queres namorar comigo?". Fiquei totalmente sem reacção. Miguel era a minha paixão platónica do momento. Mas na altura eu não a via como platónica, claro. Para mim aquilo era amor a sério e íamos casar e ser felizes para sempre.

Li e li a sms vezes sem conta. Mas quem é que pede alguém em namoro por sms?! O meu telemóvel tinha um defeito e não aparecia o autor da sms mas soube logo que era o Tomás. Não sei como, apenas sabia. Tentei ligar-lhe e ele não atendeu. Quando cheguei a casa, liguei-lhe do telefone de casa. Perguntei-lhe se tinha sido ele a mandar a sms. Ele respondeu-me que sim, soando mal-humorado. O discurso que tinha decorado foi-se num ápice e só lhe disse que falava com ele na segunda-feira.

Mas entretanto, no fim-de-semana, fui vítima de uma brincadeira dos amiguinhos dele que andaram a ligar para todas as raparigas que ele tinha no telemóvel a perguntar se eram namoradas do Tomás. Mas eu não sabia disto e conclui que ele andava a divertir-se às minhas custas, a fazer piadas com os amigos em como eu ia ser a próxima namorada dele. Na segunda-feira, não lhe dirigi a palavra. Nem o resto da semana. Sentia-me desiludida e magoada. Voltámos a falar aos poucos, forçados por sermos colegas de mesa e termos alguns trabalhos em grupo. Além disso, ele era disléxico e os professores pediam-me constantemente para corrigir erros ortográficos que ele dava nos seus apontamentos. Passado um tempo, éramos outra vez os mesmos de sempre um com o outro mas nunca falámos sobre o assunto. Vim a saber mais tarde a verdade, pelos amigos dele. Porém nunca tive coragem para desenterrar o assunto, pedir desculpa e esclarecer as coisas. Era mais fácil, mais confortável continuar a amizade como se nada tivesse acontecido.

Depois disso fomos amigos e colegas de mesa até ao final do 9º ano, altura em que ele mudou de escola e perdemos o contacto. Fomos para campos de férias juntos, ficávamos horas a mandar sms um ao outro. No 9º ano, ele confessou-me que gostava de uma rapariga. Ingénua, fiquei curiosa, brinquei com ele e provoquei-o, querendo saber quem era e se eu a conhecia. Não me disse apesar das minhas insistências. Apenas murmurou ao fim de uma aula inteira comigo a interrogá-lo: não vou cometer o mesmo erro duas vezes. E então eu percebi. E fiquei triste e não lhe perguntei mais nada. Mas quando nos despedimos no final do dia, disse-lhe: eu já não sou a mesma pessoa que era há 2 anos atrás. Não tens que ter medo de me contar as coisas e eu agir de forma estúpida. Era a minha maneira, indirecta, de admitir que tinha errado e que lamentava. Ele, olhou-me nos olhos e respondeu-me: Pois não. Há dois anos atrás não tinhas namorado.

Aquilo encerrou o assunto. De vez. O ano terminou. Eu permaneci na mesma escola, no curso de ciências sociais e humanas. Ele foi para um curso profissional numa vila aqui perto. Vi-o só uma ou duas vezes durante todo o meu secundário. Ainda trocamos algumas sms's no início mas os assuntos em comum esgotavam-se.

Há poucos dias, encontrei-o. Assim, do nada, no meio da rua. Ele reconheceu-me. Era impossível não reconhecer. É triste mas a verdade é que não mudei muito. E ele também não. Continua a usar o cabelo da mesma maneira e é o mesmo Tomás desajeitado. A grande diferença é que está alto. Teve que se curvar para me cumprimentar com um beijinho em cada bochecha. Está na faculdade e, sei lá porquê, senti-me orgulhosa por ele. Foi o primeiro da sua família e o único rapaz da nossa turma do 7º ao 9º ano a ir para a faculdade. A verdade é que sempre soube que ele era diferente dos outros todos.

Convidou-me para tomar café e aceitei, sem maldade. A verdade é que gostei muito do encontrar, o meu velho amigo Tomás. Devo ter sido atingida por uma nostalgia outonal... Passámos os primeiros 15 minutos a falar de banalidades, do que tínhamos feito no secundário, do que era feito da nossa antiga turma e do que estávamos a fazer agora. E então o assunto faltou. Continuamos sem ter muito em comum e aos 20 anos já não podemos preencher o vazio a riscar a mão um ao outro. Até que ele foi buscar último assunto que me poderia passar pela cabeça: Eu gostava mesmo de ti, sabes?

Até perdi a fala. Tenho 90% a certeza que corei. Dei um sorriso forçado e respondi a primeira coisa que me passou pela cabeça: isso já foi há muito tempo. E ele concordou mas rematou dizendo que ainda não tinha percebido o que tinha acontecido. Porque é que não tinhamos tentado namorar uma vez que éramos tão amigos. Quanto mais ele falava mais desconfortável eu me sentia. Lá lhe lembrei que na altura tinha uma paixãozinha platónica pelo Miguel e que não estava muito interessada em namorar. Que tinha outras prioridades. Então ai é que a conversa começou a descambar. Sem eu perceber como, já ele estava a dizer que na altura eu não tinha aproveitado, mas que se fosse hoje se calhar já agiria de modo diferente, que não desperdiçava assim as oportunidades. Até que o meu embaraço começou a transformar-se irritação: Tomás, eu não gostava de ti e nem queria namorar contigo. Era uma miúda, bolas, e tu eras meu amigo.

E ele continuou com a mesma conversa de "...se fosse hoje". Mas se fosse hoje o quê, pá? Chegou a uma altura que a enorme sensação que eu tinha era que ele estava a sugerir que fizéssemos o que não fizemos com 12 anos, com mais uns acréscimos devido à idade que temos agora. E a minha paciência para conversas da treta que não levam a lado nenhum estava a esgotar-se assim como para insinuações despropositadas; mas, ao mesmo tempo, não queria ser bruta e ferir susceptibilidades dizendo algo do tipo: "Não me atraias minimamente e continuas a não atrair, desculpa lá". Mas estive perto de o fazer... Acho que só não o fiz em respeito da nossa velha amizade, do meu sentimento de culpa por ter sido injusta naquela época e, também, porque tive medo de estar a entender tudo mal e ele me dizer que eu estava a ser uma grande convencida.

Encerrei o assunto dizendo para ele parar de pensar no passado e nos "se..." da vida. E que ele tinha sido um bom amigo mas a verdade é que agora era praticamente um desconhecido. E depois usei a chamada falsa do telemóvel para inventar que tinha uma amiga à minha espera e que já estava atrasada. Despedi-me com um tchau rápido, larguei os 60 cêntimos que o café custava em cima da mesa e desapareci o mais rápido que pude.

Sinceramente, nunca pensei que tal situação me acontecesse. Fiquei realmente sem saber o que dizer. Se fosse um gajo qualquer tinha-o, sem rodeios, mandado ir dar uma volta. Mas, ao ser alguém que conheci e foi um amigo durante 3 anos, tive receio de estar a ficar tolinha e a interpretar tudo errado. Ou de ser sincera demais e o magoar. Quando contei a uma amiga, ela ainda me gozou e disse que ele ainda não me tinha "superado". Que eu era o amor mal resolvido da adolescência dele, o sonho de consumo. E que devia encarar a coisa como um elogio e ficar com o ego lááá no alto. Mas não fico. Acho tudo isto um grande disparate e que ele naquele dia devia estar com os copos. E que agora deve estar envergonhado com a figurinha triste que fez. Espero.

Lição disto tudo? Não aceitar convites para tomar café, comer um gelado ou algo do tipo com antigos "amores". Grande probabilidade de haver um péssimo resultado.

grande texto! acho que isto foi mais um desabafo do que outra coisa. quem tiver lido tudo recebe um doce :D

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